Azia e Dispepsia

Atuação Multifatorial
Apenas 3 a 4%, de cerca de 30% da população que manifesta azia ou dispepsia, acaba por ri ao médico, o que deixa uma margem bastante grande para a Farmácia intervir. Conheça alguns exemplos de como algumas farmácias abordam e gerem esta categoria.
A dispepsia é uma perturbação digestiva que «pode literalmente ser traduzida como uma “má digestão”. Entre as principais características/sintomas que podemos relacionar com esta perturbação encontramos dor, desconforto abdominal, vómitos, sensação de enfartamento, perda de apetite, eructações e a não menos importante azia», explica Liliana Barbosa, farmacêutica-adjunta na Farmácia Codeço, em Monção.
A azia é, talvez, de todos os sintomas anteriores, «o mais frequente numa situação de má digestão dos alimentos, sendo que cerca de 30% da população portuguesa manifesta ou já manifestou este sintoma. Desses, cerca de 3 a 4% acabam por chegar à consulta médica, o que deixa uma margem de manobra enorme para as restantes respostas, nomeadamente a do farmacêutico», expõe Liliana Barbosa, acrescentando que «a Farmácia Codeço está alinhada com estas estatísticas, confirmando diariamente, no seu trabalho de balcão, a enorme procura que a população de uma forma geral, mas sobretudo as mulheres, as pessoas fumadoras e aquelas que utilizam com mais frequência anti-inflamatórios não esteroides (AINES) manifesta».
Qualidade de vida comprometida
Na Farmácia Nogueira, em Calvária de Cima, o segmento do sistema digestivo, onde se insere a azia e a dispepsia, «apresenta picos de vendas em janeiro, abril e agosto, ou seja, após as festas ou durante as férias, observando-se um aumento significativo da ordem dos 20%, relativamente ao ano de 2023», declara Nadina Nogueira de Sousa, diretora técnica, acrescentando que «vale a pena apostar neste segmento porque uma boa saúde digestiva contribui de forma essencial para uma vida mais saudável».
Apesar de a dispepsia não alterar a sobrevida daqueles que apresentam os sintomas, «a sua qualidade de vida fica substancialmente comprometida. Se a isto associarmos outros fatores como ansiedade, depressão, avançar da idade, a qualidade de vida agrava-se ainda mais», salienta Liliana Barbosa.
Por isso, para a farmacêutica-adjunta, «torna-se crucial e de enorme relevância, todo este segmento em farmácia». Assim, reforça que «o estilo de vida atual, com a população a registar níveis tão elevados de stresse e ansiedade, com hábitos alimentares em que cada vez se “descasca menos e se desembrulha mais” -, a procura por produtos pertencentes a esta categoria farmacêutica assume uma centralidade importante, não só na Farmácia Codeço, mas queremos acreditar que na generalidade das farmácias portuguesas».
Posicionamento estratégico
Para Lúcia Lopes, farmacêutica-adjunta na farmácia Adriano Moreira, em Castelo de Paiva, «a melhor forma de dinamizar esta área passa por promover o aconselhamento e a visibilidade dos produtos disponíveis, sendo importante que a equipa esteja bem informada sobre as causas, os sintomas e os tratamentos disponíveis para azia e dispepsia».
Assim sendo, para uma boa gestão da categoria, «deve-se garantir que produtos mais adequados estão disponíveis e bem expostos para uma melhor divulgação dos mesmos», continua a farmacêutica-adjunta, acrescentando que «devem ser expostos num local de fácil acesso e visibilidade de, idealmente junto de produtos para a digestão, de modo a facilitar a associação entre os produtos. É essencial ter uma variedade de produtos que abranja as diferentes necessidades e preferências dos clientes (comprimidos, suspensões…)».
A exposição dos produtos deve ainda ter em consideração «tanto o posicionamento estratégico como a sensibilidade dos clientes em relação aos produtos ao seu redor. Devem, por isso, estar agrupados com base no seu uso específico, o que irá facilitar ao cliente entender rapidamente o que está à procura e comparar diferentes opções dentro da mesma categoria . Podem-se colocar perto dos produtos de azia e dispepsia outros produtos digestivos que complementem o tratamento como probióticos, tratamento de flatulência ou suplementos digestivos. Lúcia Lopes recomenda, contudo, «evitar demasiadas opções ou produtos de diferentes categorias. Um excesso de produtos pode confundir o cliente e dificultar a escolha. É preferível uma exposição organizada, com destaque para os produtos mais eficazes, populares e de escolha estratégica da farmácia». Para dinamizar a categoria, pode-se ainda «realizar campanhas educacionais através de folhetos, vídeos ou cartazes sobre a importância de tratar a azia e dispepsia, as causas comuns (alimentação, stresse, medicação) e as consequências de não tratar corretamente», remata a farmacêutica.
Uma técnica administrativa
Analisando alguns casos práticos, na Farmácia Codeço, por exemplo, adotou-se «a gestão de categorias como uma técnica administrativa que permite não só a classificação dos produtos como, a partir disso, definir a forma como os expomos ao público», refere Liliana Barbosa, explicando que «isto permitiu, por um lado, melhorar a questão operacional, mas, por outro, serviu de modelo base para apoiar todo o processo de tomada de decisão no momento da compra, na comercialização e no marketing». Com esta técnica, «procuramos apresentar os produtos de uma forma mais atraente, de modo a melhorar a experiência do consumo, e que desta experiência resulte uma compra».
Nesta farmácia, ainda de acordo com a farmacêutica-adjunta, «acreditamos igualmente que esta organização se traduz ao longo do tempo, num incremento da margem de lucro da farmácia, numa melhor gestão dos stocks por parte dos seus profissionais, numa maximização dos resultados das campanhas promocionais desenvolvidas no espaço da farmácia, numa melhoria significativa da experiência do consumidor, bem como uma maior fidelização dos nossos clientes».
Lúcia Lopes recomenda «evitar demasiadas opções ou produtos de diferentes categorias. (…) É preferível uma exposição organizada, com destaque para os produtos mais eficazes, populares e de escolha estratégica da farmácia»
Eventos e iniciativas
Na Farmácia Litoral, em Santiago do Cacém, como «fazemos parte de um grupo, o MaisFarmácia, tentamos ter sempre as categorias alinhadas e temos mesmo uma zona com bastante visibilidade na área gastrointestinal», refere a farmacêutica Joana Chainho, acrescentando que «temos também disponível o serviço de nutrição que pode ser útil quando são casos de azia/ dispepsia recorrentes e que podem advir de uma alimentação prolongadamente incorreta».
Além disso, como refere a farmacêutica, «somos também uma farmácia muito proativa em termos de eventos e iniciativas com a população e por isso temos sempre alguma coisa a acontecer: caminhadas, rastreios, feiras da saúde com outros serviços locais, etc. Nesse sentido, tentamos melhorar a saúde geral dos nossos utentes e rastrear eventuais problemas não diagnosticados, melhorando o acompanhamento destas pessoas, e no limite, ajudando-as a manter este e outros assuntos da sua saúde sob controlo».
Para alcançar estas metas, Joana Chainho acredita na relevância de «ter uma equipa em constante formação e bem informada relativamente aos produtos que disponibilizamos na farmácia, mas também nos outros serviços que existem na área e que podem ser mais adequados para o nosso utente. O importante é estarmos sempre disponíveis para esclarecer sobre a melhor forma de proceder».
Abordagem holística
Por seu turno, a Farmácia Nogueira tem «uma abordagem holística dos problemas de saúde». Como tal, «alargou a sua oferta na gestão de categorias com suplementos naturais (fitoterapia e aromaterapia) e probióticos da microbiota gástrica», revela Nadina Nogueira de Sousa, referindo que «consideramos adquirir testes de despiste do Helicobacter pylori, de alergias e intolerâncias alimentares de modo a identificar a causa das dispepsias para orientar melhor o aconselhamento».
Além disso, «levamos a cabo seminários mensais sobre alimentação saudável e funcional, que permitem consciencializar a importância da nossa alimentação quotidiana na nossa Saúde. Aprendemos que beber água durante a refeição reduz o pH do estômago e dificulta a digestão, e que ingerir uma colher de sopa de vinagre de cidra, antes da refeição, estimula uma melhor digestão».
Por outro lado, como o «stresse, a ansiedade e o nervosismo afetam de alguma forma a saúde digestiva, podendo mesmo provocar dispepsia nervosa, além dos suplementos fitoterapêuticos, a Farmácia Nogueira estabeleceu parceria com fisioterapeutas, osteopatas e professores de ioga, no sentido de, através da prática de aulas de ioga, pilates e massagens, ajudar a gerir melhor as nossas emoções e sermos mais equilibrados e saudáveis. São práticas que ajudam a melhorar a nossa respiração profunda, sendo que a respiração profunda tem um papel fundamental no equilíbrio da nossa Saúde», sublinha a diretora técnica.
Por fim, «em equipa, propomos a distribuição de folhetos aos utentes, com a importância do despiste precoce do Helicobacter pylori e sobre a importância de um conjunto de recomendações para manter um bom funcionamento do estômago e sistema digestivo, como perder peso em excesso, evitar refeições abundantes (principalmente à noite) reduzir o consumo de café e álcool».
Sensibilizar o utente
A azia e a dispepsia não é, contudo, um segmento livre de desafios. Neste sentido, Lúcia Lopes aponta, desde logo, «a falta de conhecimento dos clientes, o uso inadequado dos medicamentos, a gestão do stock e a escolha de boas opções terapêuticas». Para superar esses obstáculos, «as farmácias devem apostar no conhecimento e formação das equipas de modo a estarem habilitadas a esclarecer os clientes e oferecer conselhos especializados. É também importante manter atualizada a informação sobre mudanças na dsponibilidade de produtos e estar pronto para ajustar o stock e as recomendações aos clientes», acrescenta a farmacêutica-adjunta.
Também para Liliana Barbosa, os principais desafios que se colocam às farmácias, nomeadamente aos profissionais que nela desempenham funções «sejam os de sensibilizar os seus utentes no sentido de que, entre os principais motivos que se encontram na origem deste problema, está o estilo de vida adotado pela população em geral (comer em demasia, comer muito rápido, levando à ingestão de muito ar durante a refeição, ingerir muitos alimentos ricos em gordura, um consumo excessivo de álcool, tabagismo e níveis de stresse e fadiga muito elevados), bem como o consumo excessivo de certo tipo de medicamentos, pelo que, enquanto o utente não alterar hábitos de vida, nenhuma terapêutica farmacológica será suficiente para melhorar a sua qualidade de vida ou, pelo menos, não de uma forma duradoura, servindo unicamente para aliviar pontualmente e de forma muito transitória os sinto- mas de azia e dispepsia».
Para Nadina Nogueira de Sousa, «uma vez que a sintomatologia (dores de estômago, acidez, barriga inchada, digestão lenta, refluxo, pirose) é facilmente tratada, quer através da automedicação quer através dos medicamentos sujeitos a receita médica, a dificuldade surge em sensibilizar o utente na necessidade de identificar a causa e evitar o uso continuo de antiácidos, alginatos e inibidores da bomba de protões que, por sua vez, inibem a acidez protetora do estômago». Daí que, para a farmacêutica, os desafios nesta área «passam por um bom acompanhamento desta situação porque não existe um sintoma único que permita distinguir a causa da dispepsia benigna daquela associada a um problema grave».
Por seu turno, Joana Chainho aponta que a maior dificuldade neste tema, e que é transversal a outras questões de saúde em farmácia, «é a falta de meios que nos ajudem a perceber o que está a causar os sintomas ao utente: um historial clínico, acesso aos últimos exames… Tentamos questionar e temos de assumir que o que o utente nos diz é o que está correto, mas por vezes o que parece uma pequena indisposição pode ter muita história por trás».
Abordagem global
«A Farmácia Codeço procura, no seu dia a dia, além de todo o aconselhamento não farmacológico e farmacológico que presta aos utentes que o solicitam, quando confrontados com os sintomas de azia/dispepsia, e numa tentativa de desenvolver junto dos mesmos uma abordagem o mais global possível, encaminhá-los para o serviço de nutrição que disponibiliza», sublinha Liliana Barbosa.
Neste sentido, a farmacêutica-adjunta explica que o acompanhamento nutricional «pode desempenhar um papel muito importante nas queixas de dispepsia. Apesar de não haver uma dieta específica que esteja indicada nestas situações, o certo é que um número significativo de utentes dispépticos pior os seus sintomas quando consome certo tipo de alimentos. É, pois, com esta sinergia de ações que a farmácia procurar satisfazer as necessidades dos utentes que a procuram, esforçando-se dia a dia para contribuir para o bem-estar das suas populações».
Outra área, de algum modo, relacionada com a azia e a dispepsia, «é a gravidez uma vez que a azia é comum nas gestantes devido às mudanças hormonais e ao aumento da pressão abdominal. A dispepsia também pode ser frequente devido a alterações no ritmo digestivo» salienta Lúcia Lopes, recomendando que «podem ser aconselhados alguns cuidados alimentares, assim como antiácidos seguros na gravidez».
Também na cessação tabágica, é possível abordar a azia e a dispepsia, «uma vez que o tabaco aumenta o seu risco», acrescenta a farmacêutica.
Em suma, as farmácias podem optar, como acontece na Litoral, por uma «atuação multifatorial» que, neste caso, se traduz pela disponibilização de «nutricionista, osteopata e o nosso aconselhamento ao balcão, que pode ir da recomendação de inicio ou suspensão de algum tipo de produto ou medicamento até ao encaminhamento para um serviço de saúde ou especialidade médica, no caso de suspeita de alguma condição subjacente», conclui Joana Chainho.
O acompanhamento nutricional «pode desempenhar um papel muito importante nas queixas de dispepsia», explica Liliana Barbosa
Crescimento de 13% em valor
Dados da IQVIA revelam, em termos de vendas em volume, um crescimento da categoria de azia e dispepsia (medicamentos não sujeitos a receita medica e outros produtos – Pharmascope, setembro 2024 – dados de sell out) de 4% de 2022 para 2023, sendo que, em 2022, tinham sido dispensadas um pouco mais de dois milhões de unidades (79% das quais nas farmácias e 21% nas parafarmácias) e, em 2023, foram comercializadas cerca de 21, milhões embalagens (não tendo havido alterações em termos da quota detida pelas farmácias e parfarmácias).
Quanto à evolução das vendas em valor, o crescimento da categoria foi mais acentuado (13%), tendo-se passado de cerca de 1,3 milhões de euros, em 2022, para mais de 12,8 milhões de euros, em 2023. O maior volume de vendas pertence à Farmácia que, contudo, passou de concentrar 82% (em 2022) destas para 81%, em 2023.